domingo, 29 de setembro de 2013

Celeiro da Despedida.

Meu corpo estava quente, a bota em passos firmes dada aos largos passos, esmagava as relvas que no caminho estavam. Caminho este sem rumo, o alvo era o horizonte e tão somente ele; no fim da tarde o frescor da brisa era bem vindo ao meu suor, fechar os olhos durante o vento é como um carinho na pele. O único incomodo que eu tinha naquele momento era com minha bagagem, que carregada nas costas e pelo seu peso, começava a me fazer pequenas feridas nos ombros onde a alça apoiava.

O incômodo tornara-se uma necessidade de descanso, mas deitar e dormir na estrada estão muito aquém do meu desejo, continuo andando acompanhando o despertar de uma noite fria e escura. Avisto uma pequena casa a minha frente, de madeira, com uma chaminé declarando o preparo de um quitute, acredito ser salada de fruta, me dou conta e estou andando mais rápido, até minha respiração mudou.

Todo um jardim enfeitado, a caixa de correios era uma miniatura de sua própria casa, uma varandinha defronte a porta, e três degraus separando-a do jardim, era tudo extremamente lindo e convidativo a um aconchego, permaneço um bom tempo num estado contemplativo até que sou surpreendido pelo ardor nos ombro. Então, decido bater, prontamente eis que surge diante de mim uma linda garota, meu olhar se mescla   entre seus olhos e sua mão gordinha apoiada a porta, percebendo seu ar de indagação, peço por uma hospedagem e um prato de sopa, seu sorriso antes de suas palavras declaram uma alegria em meu pedido, e em seus olhos percebo que me ofereceria muito mais do que eu pedia.

Me aproximo em direção a porta, e balançando a cabeça em negação diz que o jantar ainda não está pronto, e que a casa ainda está uma bagunça, certamente queria me impressionar e gostaria de me receber com tudo em ordem. Com seu meigo sorriso, pede que eu aguarde e fecha a porta. Dou uma risada interna, daquelas fungadas com o nariz sem mostrar os dentes, acho graça pois afinal o que um suado viajante se incomodaria naquela ajeitada casinha? Num instante ela retorna e abre a porta me trazendo um banquinho e uma xícara de chá, chá este um tanto morno, certamente feito na manhã daquele dia e guardado numa térmica já não tanto eficiente, me alegro com isto afinal nada tinha para beber, mas que era morno era.

Retiro a mochila e a posiciono no chão, respiro aliviado, avalio que pausas devem ser mais constantes para meu bem estar. Posiciono o banquinho em direção a estrada e percebo do céu cair pequenos flocos de neve, certamente essa noite seria fria, e eu havia me dado bem. Chegando a esta conclusão batuco com os pés no chão, assobio, bato o pé e dando tapas na coxa faço ritmo, compondo uma canção.

O que será que estaria em desacordo naquela casa?O que a minha vista não poderia ver? Não que me importasse com isso, mas a curiosidade me encontrava, a curiosidade antevem as mais furtivas ações. Levantando, desço sorrateiramente as escadas e coloco-me a circundar a casa, parando em cada janela e tomando o cuidado para não ser visto. Nada vejo, ouço somente barulho de arrastar de móveis, e assobios, julgo ser notas daquelas feitas para não ser atormentada pelo silencio que conduzem a introspecção.

Sentado novamente, fecho as mãos em concha e em rápidos sopros tento aquecer-me, levanto, sento, levanto, sento.. tudo que queria era estar lá dentro. Bem, a neve tá mais forte, não posso ficar parado aqui. Quando as necessidades vitais estão em jogo, os sentidos estão dispostos para tal realização.

Lembro daquele sorriso, daqueles olhos e da mão gordinha. Isso me sustenta mais um tempo ali em frente, fecho os olhos e mantenho esta imagem. Começo a ter certeza de que tudo é lindo lá dentro, posso sentir o conforto de um sofá de couro marrom, as notas de um piano, a lareira em fogo brando.. Sou desperto pelo meu corpo num arrepio violento. Não me serve essa ilusão da sopa no fogão, o sofá macio e a lareira queimando é preciso estar vivo e aquecido.

Pego a mochila, coloco nas costas e parto. É um parto partir quando se esteve tão perto de existir.